No texto de hoje vou compartilhar o dia (ou um dos) mais tensos da minha vida. O dia que que escutei: “Seu filho está no CTI em coma.”
Contei há algum tempo como foi o delicado e difícil momento do parto do meu filho João em 2007 e hoje conto os dias seguintes ao parto que foram tão angustiantes quanto.
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Após toda a tensão do trabalho de parto fiquei alguns minutos completamente sozinho no corredor da maternidade. Naquele momento ainda não tinha ideia do que estava acontecendo. A gente nunca percebe a imensidão de um Tsunami quando se está dentro dele.
Fui pai muito cedo e sem programação, então seria mentira eu dizer “Sempre sonhei algo assim…”. Porém com a chegada iminente do parto eu sonhei imaginei o parto como uma cena de novela: “Nasceu, chorou… Toma que o filho e teu e… vamos pra casa”. Porém, longos minutos se passaram e o médico que havia levado o João retornava sem bebê (como já imaginava), só com a mensagem que jamais imaginaria ouvir com poucas horas de paternidade: “Seu filho está em coma, internado no CTI”.
É engraçado como a gente tem uma memória seletiva quando se trata de filho. Esquecemos do trabalho que é cuidar, criar um filho, das dificuldades que passamos ao longo da gravidez, de recém nascido, infância… das noites em claro… esquecemos tudo isso porque não existe nada na vida que valha tanto a pena todo esse esforço do que um filho.
E eu esqueci do sentimento e da dor que foi esse momento. Óbvio que lembro da tristeza, da dificuldade. Mas não tenho essa recordação com mágoa, rancor nem raiva. Apenas como um grande desafio.
Depois da notícia do médico, eu não tinha mais nada pra fazer na maternidade. A mãe biológica estava sob cuidados médicos e passava bem. O João não podia receber visitas, então fui pra casa.
No caminho de casa liguei pra minha mãe passando as últimas informações e pedi a ela que avisasse o resto da família, pra ninguém me ligar. A última coisa que queria era explicar 10 vezes o que havia acontecido. Até porque eu nem sabia direito. Ainda acho que a ficha só caiu horas mais tarde.
Cheguei por volta de 6h e dormi em instantes. A tensão deve ter sido muito alta. Ainda não sei como consegui dormir com uma notícia dessa perturbando minha sanidade.
Acordei as 9h e sem café da manhã voltei pra maternidade. Dessa vez com boa parte da família. Avós e alguns tios foram para dar o apoio que a situação pedia. Encontramos com o Dr. (residente que realizou o parto) ainda na entrada do hospital. Me lembro com detalhes do semblante dele ao me ver. Uma cara um pouco assustada de um médico recém formado que não se sentia a vontade em passar uma notícia dessa gravidade. (Duvido que a experiência consiga deixar um médico preparado pra tal situação, mas acaba ajudando). Mas com toda seriedade que pedia a situação ele nos informou que o caso era “muito grave e que eles tinham induzido o João ao coma para poupar a energia que ele ia precisar na recuperação.”
Apesar de todo cuidado que ele exigia, no próprio sábado foi possível ficar mais perto e, mesmo que separado por uma grande janela de vidro, ver um pouco como era o grande João. E coloca grande nisso. Ele nasceu com 3,5Kg e mau cabia na incubadora que em sua maioria recebe recém nascidos. Ele era de longe o maior do CTI. Todos os outros eram pré-maturos.
Era sábado e mais uma vez voltei pra casa sem o pequeno no colo. Daí em diante muitas dúvidas passam por nossa cabeça e fazia um esforço grande pra evitar pensamentos negativos.
A rotina de hospital é exaustiva. Todos os dias, de 8h as 20h ficava simplesmente acompanhando, fazendo carinho, cantando, e tudo que era permitido pra tentar ajuda-lo nessa recuperação. Depois de 3/4 dias em coma os médicos começaram a diminuir a sedação. Aos poucos ele esboçava alguma reação. Uma mão mexendo, depois o pé, a boca… até que ele começou a mexer demais e começou a retirar as sondas e tiveram que voltar toda sedação. Nesse meio tempo ele ainda pegou umas duas bactérias e icterícia.
Só com 7 dias eles conseguiram tirar toda a sedação e ele saiu do coma. Peguei ele no colo pela primeira vez. Aí sim! Ufa! A sensação de carregar o filho nos braços pela primeira vez é impagável. É como se tudo ao redor estivesse em pleno silêncio. Nem um som consegue mais penetrar seus ouvidos… você só escuta a respiração serena de um frágil e pequeno bebê.
Nessa pesada rotina você acaba fazendo amizade com enfermeiras, médicos, profissionais e com outros pais que passam pela mesma situação que você. Tinha um casal que sempre estava lá quando a eu chegava e ia embora somente depois. O caso do filho deles era MUITO mais grave. Ele havia nascido muito pré-maturo, com menos de 1kg. E nessa época estava com o carro emprestado de uma tia-avó do João (a Karina e um dia ofereci carona pra esse casal. Eu estava exausto e não conseguia imaginar como eles estavam aguentado. Ambos tinha largado tudo (empresa, família e trabalho) pra ficar por conta do filho. Eles moravam na região metropolitana. Não me lembro ao certo onde. E todos os dias chegavam as 7h30 / 8h e saiam as 21h pegando dois transportes pra ir e pra voltar. No dia da carona, de carro e sem trânsito, demoramos quase 50 minutos pra chegar. Era MUITO longe. Essa situação faz a gente repensar muita coisa. Até aquele momento eu achava que nossa situação era difícil…
Dois dias depois, ao chegar no CTI não vi a incubadora do filho deles por lá. Me deu um aperto no coração muito grande e já imaginava que ele não havia resistido. E antes do almoço eu fui ao cartório registrar o João e encontrei o pai fazendo o atestado de óbito. Eu mal os conhecia e fiquei muito triste com isso…ainda lembro deles com muito carinho. Espero que estejam bem e com filhos atualmente.
Os dias foram passando e a alta do João se aproximando. Ele teve de tudo enquanto estava internado. Teve até um dia que a incubadora dele não estava mais lá. Imagina o susto??? Mas a enfermeira logo avisou que ele estava isolado em outra sala porque pegou uma bactéria que não podia mais ter contato com outras crianças. É mole? Tudo isso com menos de 30 dias.
No relatório de alta, em longas 8 páginas, todas as recomendações e todo histórico. Agora sim: “Toma que o filho é teu”. Daí pra frente ele foi acompanhado de perto por pediatra, neuro pediatra, oncologia (esqueci de mencionar que foi detectado um cisto no cerebelo também… mas é outra longa história) e mais tarde por fono, psicopedagoga, fisioterapeuta… a lista é grande.
Ele teve alta após 29 dias do parto. Enfim, levei meu filho pra casa. UFA!! Que sufoco.
Tudo isso me fortaleceu bastante. E se posso dar um conselho pra quem ainda vai encarar o desafio da paternidade/maternidade: Faça! Tenha um, dois, três, filhos… A sensação de se ter uma criança faz a vida valer a pena. As dificuldades e problemas se tornam menores quando se tem a motivação de cuidar de alguém. Se eu tivesse passado por tantas dificuldades na “minha vida” eu teria saído derrotado. Na vida de alguém que é sua responsabilidade, você consegue tirar forças de onde nem imagina e “continuar a nadar” como diria a Dory.
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Sou Rafa Andrade, fundador do Sem Choro, empreendedor, Designer Gráfico e Web, Diretor da Agência iMAGON, pai do João e (daqui a pouco) do Marcelo. Pai solteiro até me casar com a mãe de criação e coração do João, a Bebela (como o João a apelidou).
contato: rafael@semchoro.com.br