Carta de uma mãe de 3 em isolamento a seu marido.
Oi. Você sabe o quanto você é importante pra mim, não é?
Por ainda acreditar que somos um grande time e que você é a pessoa que quero ficar velhinho que decidi te escrever essa carta.
Depois da nossa ultima briga pensei em fazer esse relato para ver se você consegue enxergar de um outro ponto de vista alguns detalhes muitas vezes imperceptíveis aos olhos. Mas que a médio longo prazo, acaba com qualquer relação.
Nossa vida mudou muito nos últimos anos né?! Você a cada dia sobe um novo degrau na sua vida profissional e sinto muito orgulho disso. Sempre admirei sua ambição e paixão pelo trabalho.
Depois que nossa caçula fez um ano e tomei a decidi mudar de profissão para ter uma tempo mais maleável pra eles eu imaginava que nossa vida tomaria outros rumos. Seu apoio foi muito importante naquela hora.
Aí veio a pandemia e tive que trabalhar com nossos 3 filhos em casa. E, claro, não tinha como dar certo. O mercado de eventos sucumbiu e qualquer tentativa de nova receita que eu tentava, naturalmente, fracassava. Acredito que se eu tivesse em um emprego de 14h diárias, de segunda a segunda, sem férias, estaria em um ambiente mais amistoso do que em casa com 3 crianças e tentando recuperar minha carreira.
Até aí, nada de muito novo. Não estou escrevendo com o intuito de ser vítima das circunstâncias. Sei que vai passar e vou me recuperar. Não é esse o problema.
O ponto que se tornou mais difícil foi ter que, mesmo passando por tudo isso, ouvir de você as atrocidades recorrentes por uma ou outra coisa não está da forma como você acha ideal. Mas prefiro acreditar que isso é um comportamento de espelho. Que você apenas reproduz o que aprendeu sem refletir sobre como é a rotina de casa.
Não sei quando isso aconteceu exatamente mas você colocou na cabeça que “daqui em diante” não aceita mais que fique qualquer objeto sob a mesa de jantar. E, desse dia em diante, eu não poderia deixar aquilo acontecer pois seria nosso fim. Pensei comigo. Sério? Essa é a sua questão? Um prato, um copo ou uma entrega que fica na mesa durante o dia? Mas, seguindo a cartilha do compreender e não julgar (mesmo que eu pense white people problem) me esforço para que não ocorra.
A última vez em que nos falamos você disse que não poderíamos mais conviver. Que era impossível darmos certos juntos com você explicando mil vezes que o prato sob a mesa te irrita.
Nesse momento perdi minhas forças. Tenho problemas maiores para resolver.
Minutos antes de me falar que “não dava mais”, eu estava preparando sua marmita pra você não se atrasar. Preparei como você pediu: com suco e sobremesa. O dia foi corrido como todos, e o almoço ainda estava sob a mesa.
Ao pegar sua marmita você viu mesa como estava e foi “a gota d água”.
Escrevi essa carta para te mostrar o que acontece quando você não está em casa. Talvez assim você entenda que o copo com resto de suco em cima da pia não é um problema.
Pois bem, depois que você saiu, como eu sempre faço, aproveitei que a paz reinava entre as crianças e voltei para minhas tentativa de tentar reerguer minha vida profissional. Geralmente elas durão pouquíssimos minutos sem interrupção. Enquanto eu escrevo essa carta sou interrompido a todo parágrafo.
Lá pelas 8 da noite, depois de banhos, jantas e todos “prontos” para dormir, começo minha rotina pós-trabalho e de “organização” da casa. Organização entre aspas mesmo. O que faço é apenas para a casa não virar um caos. Deixa-la limpa e cheirosa é algo que ja desisti.
Ai começa o trabalho que as mães chamam de trabalho invisível:
Retiro as roupas do varal e coloco na pilha de roupas para passar (um dia quem sabe); retiro as roupas limpas da máquina, estendo e coloco outra remessa pra ir batendo enquanto faço o restante.
Passo por todos os cômodos da casa recolhendo peças de roupas, talheres, copos, pratos e restos de comida e dou o devido fim a cada um desses.
Pausa! Vou pra sala pra acudir o mais novo que esta gritando com o mais velho por algum motivo enquanto a caçula está no chiqueirinho milagrosamente calma. Geralmente deixo que se virem sozinhos, mas os gritos tem um limite de tempo.
Volto pros afazeres. Recolho todo o lixo e coloco pra fora. Geralmente não me lembro de colocar outra sacola na lixeira. Deixo pra colocar o saco quando vou usar novamente no dia seguinte.
Lavo as mamadeiras pra ferver enquanto eu faço o restante do serviço. O resto da louça vai ficar por último. Quem sabe deixo pra manhã, penso em meio ao cálculo de tempo gasto para terminar o serviço e conseguir comer e tomar um banho.
Desligo as luzes e ventiladores que estão ligados fazendo companhia para as paredes. Junto também suas coisas espalhadas: tênis, chinelo, toalha molhada sob a cama…
Volto pra sala pra acudir agora a mais nova que esta chorando. Ela está morrendo de sono e preciso parar e coloca-la pra dormir. Falo para os mais velhos pra irem dormir em 20 minutos e vou pro quarto deitar com a caçula. Uma historia, duas , três… quase durmo antes dela. A exaustão começa a bater. Não posso dormir. O caminhão de lixo passa hoje e ontem dormi antes de levar o lixo pra fora e o cheiro não está dos melhores. Me lembro também da água fervendo as mamadeiras… Não dorme. Não dorme.
Depois de muito lutar contra o sono, me refiro a mim, a caçula dorme. Conto ate 10… arranco forças e levanto. O caminhão passa a qualquer momento. A água já estava fervendo a muito tempo e em alguns minutos começa a queimar as mamadeiras… desligo a água e levo o lixo correndo pra fora.
Dou comida e agua pros cachorros e vou colocar os outros dois pra dormir.
Mais histórias. Apago as luzes.
Sinto que meu cheiro não está muito agradável. Tenho dúvidas se tomei banho ontem. Acho que dormi antes disso. Preciso de uma banho de banheira de 30 minutos hoje.
Como não temos banheira e a parede do banheiro da pro quarto da caçula eu não posso nem tomar banho de banheira, nem demorar muito. Cada minutos de chuveiro ligado é mais barulho em potencial para acordá-la.
A porta também tem que ficar aberta. Com ela fechada fica mais difícil ouvir o choro, caso ela acorde. Mas isso não vai acontecer… não hoje!
Após o banho deito de toalha para relaxar sentir um pouco do vento que entra pela janela.
Os lixos do banheiro, a poeira dos móveis, a roupa pra passar, a louça e… os pratos na mesa… não são importantes agora.
Amanhã quando você chegar eu já estarei vestida então você não vai nem perceber que adormeci de toalha mesmo. Mas o prato em cima da mesa vai estar berrando aos olhos. Mas ele… não é um problema!
Autora pediu para não ser identificada.
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2 Comments
Relação é jogo em equipe né? Boas práticas deviam de gentileza, cuidados da casa e relação deviam ser ensinadas em grade escolar inclusive.
Precisamos ensinar aos meninos que a organização da casa é obrigação de todos os moradores. Senão isso nunca vai acabar. Mal dá pra acreditar que estamos no século XXI. É triste ser mulher nesse mundo. Senti uma profunda tristeza e decepção na autora. Não há parceria nesse casamento. Há servidão a um homem imaturo, insensível e abusivo.