Um dia Sem Choro para todos.
Antes de me tornar pai, tinha pouquíssimo conhecimento sobre criação de filho e menos ainda sobre TDAH. Na verdade nunca tinha ouvido falar nessa sigla.
Tudo começou, literalmente, no parto do meu 1º filho em 2007 e todas as complicações (escrevi um artigo sobre isso). Mas foi com 3 meses de idade, com duas crises convulsivas, que o quadro neurológico do João precisou de um acompanhamento ainda mais de perto da neuro pediatra.
Seu primeiro ano de vida foi bem complicado e o desenvolvimento motor e neural sempre foram um pouco atrasados. Como se estivesse correndo atrás do tempo perdido. A coluna ficou ereta mais tarde, a cabeça firme com um pouco de atraso e assim por diante.
Não me lembro exatamente a idade que ele começou a falar, mas como eu não tinha nenhuma referência de criança na família, não suspeitei que esses atrasos todos deviam ser investigados. Foi minha esposa, que na época já fazia residência de pediatria, que me alertou. E foi por volta de 2 anos de idade que eu fui apresentado ao tal do TDAH.
O QUE É TDAH
“O que é TDAH?” foi a primeira pergunta que me veio a cabeça. TDAH significa Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. A compreensão é um pouco difícil no começo e ao contrário do que eu pensava o TDAH é uma doença e não um transtorno psicológico. Não é passageiro, nem tem cura. Porém, tem tratamento, controle e, se bem acompanhado, tem seus sintomas e consequências minimizados.
Na prática, desde o nascimento eu acabei me acostumando com essa agitação. João sempre foi aquele que “não dormia”, que “não parava quieto” e isso pra mim se tornou normal. Só depois que ganhei uma sobrinha (quando o João tinha 4 anos), e pude ter uma base de comparação, que percebi na prática a grande diferença.
Todos nós, de uma maneira ou de outra, tem algumas características do TDAH. Uma dispersão em determinada hora do dia ou em alguma atividade específica; falta de foco; agitação; distração, e por aí vai. A criança (acho que deve ser assim no adulto também) que tem o TDAH tem essas características todas juntas e de uma forma tão intensa que compromete toda sua vida. Imagina que em todos os seus pensamentos (“essa aula é boa?”; “o trânsito está ruim.”; “será que vai chover?”) você tenha um anjinho e um diabinho na cabeça te orientando (“sim”; “poderia estar pior”; “vai chover”). Na cabeça de quem tem TDAH ele não tem um anjinho e um diabinho. Ele tem todo o armário d`As Crônicas de Nárnia. Não existe silêncio nessa mente.
COMO É O COTIDIANO COM UMA CRIANÇA COM TDAH?
Com toda informação sobre essa doença e toda sua dificuldade, tive que criar rotinas, limites e regras bem rígidas pra tentar otimizar o dia a dia do João em todos os sentidos.
A criança só tem o diagnóstico confirmado e pode ser medicada depois de 6 anos que é quando acontece o amadurecimento completo do cérebro.
Quando ele ainda era bem novo, criei rotinas de hora do almoço e principalmente hora de dormir. Uma boa noite de sono ajuda o pequeno no ritmo do dia seguinte. E como trabalho muito de madrugada, se eu deixasse ele me acompanhar, ele o faria sem esforço. Pode acreditar! Já teve vezes, em finais de semana que eu dou uma liberada, que ele virou a noite sem esforço. Essa é mais uma diferença da criança agitada pra hiperativa. A agitada desliga, uma hora ou outra. O cansaço bate. A hiperativa não. Passa 24 horas sem dormir tranquilamente.
A principal característica que precisei desenvolver foi a paciência. Cada detalhe é um teste. Um momento de pressa ao sair de casa, ou algum compromisso em que a criança só precise escovar os dentes para sair, pode virar um grande momento de stress, como já aconteceu várias vezes no meu caso.
Como o João já está mais crescido, não preciso lavar suas mãos. Porém já aconteceu vezes de falar pra ele lavar as mãos e, no caminho do banheiro, ele esquecer o que ia fazer e “trocar de tênis” por exemplo, ou escovar os dentes e voltar com as mãos sujas.
Durante a refeição preciso lembra-lo com frequência de que ele está comendo. Mesmo quando ele era bem pequeno e falava pouco, dava pra perceber que sua mente estava dentro do armário de Nárnia.
Certa vez resolvi fazer um teste na hora do almoço. Dois na verdade.
1º – “Você só levanta da mesa quando terminar”. Eu tinha tempo disponível, então se ele demorasse 10 horas para terminar, não seria problema. Não foram 10 horas. Ele demorou “só” 4. Não chamei atenção durante, nem depois. Expliquei que ele não levantaria da mesa enquanto não acabasse e ele “obedeceu” a regra. Sentou 13h e terminou as 17h.
Obviamente, não funcionou. Fui pro 2º:
2º – “Você tem 50 minutos pra comer. Se não terminar vai ficar com fome”.
Esse caso especificamente é muito arriscado. Não sei se tem a ver com o TDAH ou é da própria criança. Mas ele simplesmente não sente fome. Por estar sempre ocupado com suas atividades, o ato de comer é “uma perda de tempo”. Então se ele comer metade do prato durante 50 minutos, pra ele é lucro.
A alternativa foi lembra-lo a todo instante que ele está comendo. Trazer de volta a terra.
MEDICAÇÃO
Atualmente já ronda um certo preconceito a respeito da medicação. De certa forma a medicação pode até estar sendo receitada exageradamente, mas como vivo o lado “correto” do diagnóstico sinto o efeito no dia a dia.
A medicação com o diagnóstico correto e bem acompanhado é transformador em todos os sentidos. O efeito é foco. É concentração. A intenção não é “dopar” nem “sossegar” a criança. Isso pode até ocorrer em crianças que não tenham a doença. No João, o efeito foi uma luz.
Tem um caso que ilustra muito bem essa melhora.
Ele iniciou a medicação específica pra TDAH aos 6 anos. Antes disso, ao buscar ele na escola, ele mal lembrava qual tinha sido a última aula. Aquela de minutos atrás. E nessa época ele levava um livro pra casa toda semana. Algumas semanas depois de começar a tomar o remédio, no dia de entregar o livro (ele havia terminado no dia anterior), eu perguntei sobre a leitura e o que ele tinha achado. Esses resumos de leituras dele eram sempre vagos por não conseguir recordar do que havia lido. As vezes não lembrava nem do nome do personagem principal. Pra minha surpresa, ele fez um resumo quase que durante todo o trajeto pra escola. Explicando detalhes e inserindo sua própria interpretação.
Então se você tem esse preconceito contra medicação ou contra a própria doença. Não tenha. Se informe.
O TDAH é complexo e de certa maneira uma doença ainda em descoberta. Pra quem tem informação já é bastante desafiador conviver possuindo a doença ou com um filho ou parente próximo tendo esse transtorno. Pra quem não tem a informação é impossível e vai frustrar a criança que se sentirá incapaz.
Sou pai. Meu filho tem TDAH. É acompanhado por neuro pediatra desde o 1º dia de vida (literalmente) e esse é um pouco do meu modo de ver e lidar com a situação. Se você se familiarizar com algumas características e seu filho ou algum amigo/parente tiver alguns sintomas, já é um bom sinal e precisa ser investigado. Mas somente o médico pode confirmar o diagnóstico.
Deixa nos comentários sua experiência, opiniões, dúvidas…
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Sou Rafa Andrade, fundador do Sem Choro, empreendedor, Designer Gráfico e Web, Diretor da Agência iMAGON, pai do João e da Letícia ou do Marcelo* (que ainda está na barriga da mamãe) e pai solteiro até me casar com a mãe de criação e coração do João, a Bebela (como o João a apelidou).
contato: rafael@semchoro.com.br
*O Marcelo já foi Marcelo, já virou Bernardo e voltou a ser Marcelo… Vamos ver se o nome dura até o nascimento… rsrs