No 2º episódio do SemChoro PodCast, trato de um assunto muito falado na atualidade: TDAH.
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SemChoro PodCast – Episódio 02
Você sabe o que é TDAH? Sabia que o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade está presente em 5% da população mundial?
Meu filho tem o transtorno diagnosticado e eu convivo com isso desde então. TDAH é uma doença. Não tem cura, mas tem tratamento e deve ser acompanhada de perto. No episódio converso com a Dra. Cláudia Machado, neuropediatra e referência no assunto e com Bruno Augusto que descobriu o transtorno somente depois de adulto e conta pra gente como foi conviver a infância tendo o TDAH sem ter nenhuma informação do assunto.
Referências
Associação Brasileira de Déficit de Atenção – www.tdah.org.br
Os sons da vinheta e das vírgulas sonoras são (respectivamente) dos desenhos: Peabody Sherman, Shrek 2, Procurando Nemo (2), Divertidamente, Procurando Nemo, Meu Malvado Favorito (2).
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Rafael: Vamos abrir com o básico. O que é TDAH? Qual a diferença de TDAH e TDA? Existe uma diferença?
Dr. Cláudia: Não existe a diferença, é a mesma condição, sendo que o TDAH é o nome médico (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). Algumas crianças podem ter hiperatividade ou não. Como a gente falou, é uma condição neurobiológica, eu não escolho emocionalmente ter TDAH ou não. Tem uma forte herança genética. Geralmente o pai ou a mãe tem uma história familiar positiva e isso faz com que eu tenha um comportamento mais agitado em algumas vezes, alta distração, alta impulsividade e que este comportamento traz um prejuízo na minha vida no dia a dia, seja na escola ou um prejuízo social. Vai ter algum impacto no meu comportamento em todos os momentos e ambientes.
E o que a gente percebe é que os pais são massacrados por não educarem a criança adequadamente e não é assim, a gente sabe. Quem convive com a criança que tem TDAH sabe que não é desse jeito, não é dessa forma.
Rafael: Você citou que isso é hereditário, então obrigatoriamente ou pai ou a mãe tem também, para passar para criança ou não necessariamente?
Dr. Cláudia: Existe o que a gente identificou como fatores de risco bem determinados, história familiar positiva. São pessoas que já tem o diagnóstico de TDAH ou tem história de TDAH. Porque às vezes são pessoas de 30, 40 anos e esse diagnóstico não foi feito com tanta tranquilidade como é hoje, mas tem um histórico que a gente percebe que é histórico de TDAH. Outro histórico é prematuridade, quando a criança nasce antes das 37 semanas, a questão de baixo peso ao nascimento, nascer com menos de 2,500 kg ou o uso de algumas substâncias durante a gestação como: álcool e cigarro. Então isso está bem determinado que são fatores de risco aumentado para a criança desenvolver o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.
Rafael: No caso do cigarro e do álcool é dentre outras várias coisas, né?
Dr. Cláudia: É, aí gente colocou os mais leves, se a gente colocar o crack, a maconha, também fazem parte. Drogas lícitas e ilícitas também são.
Rafael: Hoje se diz que até 6 anos você pode oficializar que a criança tem TDAH. Essa idade está correta? E qual idade você consegue começar a detectar a doença?
Dr. Cláudia: A gente consegue detectar muito precocemente alguns sinais e sintomas para identificar a criança de risco. E aí você consegue identificar que são crianças que as vezes tem alteração de sono, são crianças que tem mais diagnóstico de refluxo, são crianças que têm às vezes a alergia a leite de vaca, são mais intolerantes, choram muito.
Rafael: O que o leite tem a ver?
Dr. Cláudia: Eu acho que não é o leite em si. Mas pode ser que tenha uma relação da alergia com o TDAH, que cientificamente ainda não conseguiram fazer essa ligação, mas eu acho que a questão dos sintomas, são crianças mais irritadas e acaba que você faz a ligação. Você pensa: “Olha, ele só mama e dorme, então, é o leite.”
Essa é uma das coisas que acontecem. Tem um paciente meu, que eu dei o diagnóstico na idade escolar, que fica mais fácil de você perceber as dificuldades, que é por volta de 6, 7 anos. A mãe conta que ele era tão agitado no bercinho, para dormir, que ele agitava tanto as perninhas, que o bercinho saia do lugar. Nessa situação o bebê tinha meses de idade. Então você observa, vai puxando um histórico com a família e percebe que a criança já era mais agitada desde muito pequena.
Rafael: No caso do João, eu não tinha criança nenhuma de parâmetro, eu não tinha sobrinha ainda, eu não tinha nada, então eu achava que era normal. Mas ele era extremamente agitado. Ele só passou a dormir a noite completa, com 2 anos de idade.
Dr. Cláudia: Tá vendo, aí você começa a ver, perceber que já tinha os sinais. E aí você já pensa o que pode fazer com esse sinal, se ainda não pode fazer nenhuma intervenção medicamentosa. Nesses casos você pode fazer algumas terapias, que a gente chama de terapias cognitivas comportamentais. Ajuda a melhorar por exemplo: a ideia de princípio, meio e fim, ajuda a estabelecer rotinas.
Rafael: Mas isso deve partir dos pais, você acha? Ou deve ter uma intervenção da terapeuta?
Dr. Cláudia: Muitas vezes a gente precisa da ajuda de uma psicologia, da terapia cognitiva comportamental. A Academia Americana de Pediatria indica que quando você detecta crianças com fatores de risco, as vezes em uma idade precoce. Quando você já desconfia, já vê alguma coisa, mas não tem coragem ou não tem todos os dados ainda para bater o martelo de um Transtorno de Déficit de Atenção, você deve iniciar uma terapia de pais e uma terapia cognitiva comportamental para essa criança. Para orientar a rotina, a ideia de princípio, meio e fim. Enfim, aquelas orientações básicas que já vão ajudar independente de qualquer coisa. Essa é uma orientação que a academia faz, a gente segue e funciona.
Em 2013 foi determinado que abaixo de 12 anos você poderia fazer o diagnóstico de TDAH. Então, os sintomas tem que estar presentes na vida da pessoa, antes dessa faixa etária. Então, o que a gente fala de fatores de risco, é algo que os pais já teriam que ficar atentos. De qualquer forma a gente tem que saber muito identificar.
De repente um menino de 3 anos, que é uma criança agitada, vai querer explorar o ambiente, vai mexer em tudo, mas aí você fala para ele: “Parou, agora senta aqui e vamos fazer alguma coisa.”Ele pode até relutar, mas ele vai conseguir ficar ali alguns minutos sentado, realizando a mesma atividade. No TDAH, mesmo quando a criança é muito pequenininha ela não consegue.
Quando você está junto com outras crianças no parquinho ou na escola por exemplo, você consegue perceber. Eles tem uma dificuldade de vivência temporal. Quando eles estão fazendo alguma coisa que gostam, o tempo passa rapidamente. Já quando eles estão fazendo uma tarefa que exige mais deles, 5 minutos parecem 5 horas. Eles se cansam, visivelmente “sai fumacinha”.
E eles têm uma tendência também, que a medida que eles ficam mais velhos e vêem que uma tarefa vai exigir mais deles, uma tarefa mais cansativa do ponto de vista mental, eles enrolam para começar a fazer. Então, essa vivência temporal e essa procrastinação fazem parte do TDAH.
Na verdade a rotina ajuda muito a melhorar isso. Porque muitas vezes é uma tarefa que ia demorar 15 minutos e aí demora 3 horas, porque as coisas não fluem.
Rafael: O João tem isso com almoço. Dificilmente você acha uma criança que não gosta de comer. Mas eu sinto que para ele, comer é parar, ele perde tempo.
Então eu fiz até um teste com ele uma vez, aproveitei que eu estaria trabalhando o dia todo em casa, ou seja, tempo disponível eu tinha. Coloquei a comida para ele na mesa de almoço e disse: “Você só levanta a hora que você terminar.” Ele demorou 4 horas. Sentou na mesa uma hora da tarde e levantou às cinco horas.
Aí eu fiz um outro teste na semana seguinte, eu me lembro de ter dado 50 minutos para ele comer e disse: “Se você não comer, você vai ficar com fome.” E também não adiantou.
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Rafael: Vamos partir agora para parte do diagnóstico, no caso do João, como a gente já citou aqui algumas vezes, em decorrência do parto, ele já estava nos fatores de risco e ele foi acompanhado literalmente desde o primeiro minuto de vida. Mas e para um pai que está se identificando com a situação, o que ele deve fazer?
Dr. Cláudia: Geralmente, ele deve conversar com um médico que acompanha dessa criança, para identificar o que ele está vendo, o que ele ele está percebendo, se tem algum fundamento ou se faz parte do desenvolvimento normal daquela criança. Se tiver alguma dúvida, conversar com os professores por exemplo e trocar experiências com outros pais, ajuda bastante. A partir desse momento, se ainda houve dúvida, procurar a ajuda de um especialista. Pode ser um pediatra, um psicólogo ou alguém que entenda do assunto.
Rafael: Nessa primeira abordagem, não necessariamente precisa ser o neuropediatra?
Dr. Cláudia: Não necessariamente precisa ser o neuropediatra. Uma coisa que é muito legal a gente frisar, é que não existe um exame que dê positivo ou negativo para TDAH. Todo diagnóstico de TDAH é um diagnóstico clínico, baseado no que a criança sente, sinais e sintomas e nos prejuízos que ela tem.
Se a criança é muito agitada, mas ela não tem nenhum prejuízo ou então se a criança é distraída mas não perde nada de interesse e não erra por descuido, então provavelmente ela não tem TDAH.
Temos sempre que rever isso, porque para diagnóstico de um transtorno você tem que ter prejuízos, você tem que ter um impacto na sua vida.
Rafael: Eu até li esses dias um artigo que falava que todo mundo tem alguns sinais de TDAH. Mas a pessoa com TDAH ela tem vários sintomas que o atingem diariamente.
Dr. Cláudia: Exatamente
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Rafael: E quem pode diagnosticar é somente o neuro pediatra?
Dr. Cláudia: Já existem vários pediatras que são capacitados para essa identificação. O neuropediatra, psiquiatra, são profissionais que tem capacidade de identificação e tratamento.
Rafael: Bom, vamos agora para a medicação. Como a gente disse no começo, vamos tirar alguns mitos e preconceitos que a sociedade tem. Eu particularmente, quando falo que o João é medicado, tem gente que arregala o olho e fala: “Nossa, mas é uma droga, tem vários sintomas, várias sequelas…” Mas para mim o que o medicamento tem de benefícios é muito maior. A diferença na vida do João foi clara.
Dr. Cláudia: Acho que a gente tem que brigar não contra a medicação, a gente tem que brigar para a capacitação do uso adequado.
Rafael: Exatamente
Dr. Cláudia: É diferente, porque a gente não pode prejudicar o 5 % da população que tem TDAH, por conta do uso inadequado que algumas pessoas fazem. O benefício da medicação quando bem aplicado, traz uma mudança para a criança. A criança não está dopada, não deixou de ser ela mesma.
Rafael: Isso é bom frisar, porque as pessoas usam muito a palavra “dopar”. No caso do João, a agitação dele não mudou, mas a concentração dele já é outra. As pessoas que falam isso, dão a entende que você está acamando o menino, está deixando ele virar um vegetal, que não vai brincar, não vai questionar. E não é nada disso que acontece, o João pergunta, questiona tudo o tempo inteiro.
Dr. Cláudia: Às vezes as perguntas ficam até mais coerentes com o que está acontecendo. O que eu vejo é que tem alguns meninos que ficam até um pouco mais focados. Por eles ficarem um pouco mais focados, eles ficam mais quietos.
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Dr. Cláudia: Tem um estudo que fala que as crianças medicadas conseguem fazer essas redes neurais, essas conexões melhor. Com o tempo eles têm o desenvolvimento à nível cerebral semelhante a quem não teve o TDAH. Então, a medicação tem esse poder.
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Rafael: Vamos chegando a conclusão. Abordamos aqui alguns bons minutos sobre o TDAH. Poderíamos ficar horas falando sobre o tema, mas acredito que deu para dar uma clareza para quem tem pouco conhecimento sobre esse transtorno.
Queria agradecer mais uma vez a Dr.Cláudia. E Para finalizar, você tem alguma dica, sugestão, alguma conclusão? O que você tem para falar para quem está escutando agora?
Dr.Cláudia: Sempre que tiver alguma dúvida, procure uma fonte confiável de conhecimento. Uma fonte que eu gosto muito é a Associação Brasileira de Déficit de Atenção, que é uma associação de pais, que tem assuntos e matérias confiáveis.
Esses pais tem um grupo de médicos que ajudam eles a colocar as matérias. Porque hoje a internet tem de tudo né? Então a gente precisa de uma fonte confiável, que a gente procure sanar as nossas dúvidas. Se alguém tem alguma dificuldade, leia, procure, converse, vá atrás de especialistas, porque a criança merece ser ajudada e faz toda diferença.
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Rafael: Dando sequência ao nosso episódio sobre TDAH vamos abordar agora um outro lado, que é o lado da vida adulta. Agora eu vou conversar com um convidado que está aqui na linha comigo, que é o Bruno Augusto, um amigo pessoal que eu tenho já alguns anos. Já compartilhei com ele várias experiências que eu tenho com o João e ele me dá alguns conselhos. Ele tem TDAH e vai compartilhar com a gente um pouco da sua experiência.
Rafael: Boa noite Brunão, obrigado pela participação. Vamos compartilhar um pouco dessa experiência aí.
Bruno: Boa noite Rafael. eu que agradeço pela oportunidade, por poder falar um pouco dessa minha experiência aí.
Bom, eu 33 anos e na minha época não tinha esse diagnóstico ainda, ou pelo menos eu não tinha acesso na verdade, então, eu só fui diagnosticado por volta dos vinte anos, vinte e poucos anos. Então e vivi a minha infância toda sem ter esses parâmetros né. Meus pais não sabiam de nada nesse sentido, então foi uma educação normal, sem nenhum ponto especial para atender essas demandas que eu tinha né.
Rafael: Conta pra gente as suas lembranças de como você passou principalmente o ensino fundamental, as suas dificuldades.
Bruno: Bom, como eu disse, naquela época pouquíssimas pessoas tinham acesso a esse tipo de informação, realmente eu creio que não devia ser tão difundido aqui ainda. O que eu consigo lembrar muito, principalmente da minha infância, com uns 7, 8 anos é que além de ser muito bagunceiro, o que acaba sendo normal e não identifica necessariamente que seja uma criança com TDAH, eu tinha muita dificuldade de fazer as atividades da escola, os para casas por exemplo.
Eu tenho memória de estar sentado na mesa pra fazer o para casa, minha mãe me deixava lá quando ela ia para a cozinha e eu ficava viajando, não conseguia concentrar, não conseguia ler uma página ou fazer o que eu tivesse que fazer se não tivesse alguém do meu lado praticamente o tempo todo. Na escola, as memórias que eu tenho são mais de bagunça, de estar fazendo farra do que estar concentrado, estudando, focado na matéria que era dada.
Rafael: A mente de uma criança com TDAH realmente tem que ser estudada, como eu falei com a Cláudia mais cedo, é o mundo de Nárnia que fica ali, na maneira boa de dizer, uma loucura, uma insanidade.
Bruno: É, justamente, Falando por mim, como eu tinha muita dificuldade de focar nas coisas. Então, você começa uma aula prestando atenção mas rapidinho você já desvia, qualquer coisa tira sua atenção. Então, um coleguinha que chamava, um barulho ou você mesmo começa a viajar nos seus pensamentos.
Rafael: Então qualquer atividade de média prazo já é tempo de mais né?
Bruno: Justamente. É aquela coisa que tem que ser feita naquele momento. E eu até entendo que a escola não tem como dar uma atenção pra uma criança o tempo todo. Então eu não conseguia ficar prestando atenção ali, de forma nenhuma, para mim era sempre muito difícil, eu sempre fui muito inquieto.
Rafael: Naquela época então né?
Bruno: É,pois é, então assim, cada horário era 50 minutos mais ou menos. Pra mim era uma eternidade, eu não conseguia ficar prestando atenção tanto tempo assim.
Rafael: E como a gente tinha pouca informação nessa época, você passou a infância inteira sendo taxado como o menino levado, aquela menino que não para quieto. Enfim, o que mais você foi taxado? Não vai dar em nada, esse aí não tem jeito. O que você mais ouvia na infância?
Bruno: Questão de ser muito bagunceiro, muito agitado, mas ao mesmo tempo eu tinha um certo apoio dos meus pais, porque eu era muito inteligente e tal, só que eu tinha que focar para poder fazer as coisas né e eles não sabiam que eu tinha esse Déficit de Atenção. Tudo que eu começava a fazer eu não conseguia terminar.
Até como você estava explicando, pra uma criança com Déficit de Atenção tem que ser trabalhada essa questão de início, meio e fim e não conseguia fazer com que as minhas coisas tivessem início, meio e fim.
Então eu começava e tudo que tinha um prazo um pouquinho maior eu largava. Eu achava que isso era um problema meu, por não entender, os meus pais também não entendiam essa minha questão e acabavam desanimando um pouco. Eu acho que para o pai também deve ser bastante cansativo. Toda atividade que você coloca o seu filho pra fazer ele começa muito empolgado e essa intensidade acaba de certa forma, bem rápido.
E foi assim até a minha juventude e o meus pais ficavam me pressionando muito nesse sentido de ter que concluir alguma coisa e eu não conseguia. Eu fui absorvendo isso, achando que era uma coisa ruim. Vocês comentaram a questão da procrastinação, sempre tive muito isso, a questão de procrastinar as minhas coisas. Não imaginava que tinha essa ligação com o TDAH, achava que era uma questão comportamental minha, uma falha minha e que eu teria que trabalhar aquilo de alguma forma.
Só que quando você é uma criança ou um jovem e não aparato suficiente para tratar aquilo, é bem complicado de você entender e absorver, também dos seus familiares entenderem que aquilo é um problema, é um distúrbio.
Rafael: Se pra você que trata com isso cotidianamente é difícil entender, imagina para quem está de fora ainda né?
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Rafael: Quando você começou a perceber que essas suas dificuldades poderiam ser alguma coisa além? Quando você percebeu alguns sintomas que poderiam ser algum distúrbio, transtorno, doença ou qualquer que seja o nome que a gente use pra isso?
Bruno: Na verdade minha descoberta do TDAH veio de uma forma ruim, porque ele veio com uma depressão.
Rafael: E o que é bem comum. É bom a gente relatar isso, porque o TDAH na juventude, se não for tratado e acompanhado na infância tem sérios riscos de virar uma depressão.
Bruno: É, justamente, porque como são várias questões que vão ficando soltas aí nesse trajeto da infância e da juventude, então você vai chegando na fase adulta, no final da juventude e você se perde em vários questionamentos que você não consegue entender. Aí foi gerando uma depressão, inicialmente leve, mas a partir do momento que eu comecei a ter acesso a um psiquiatra para fazer um tratamento, foi estudando, pontuando agumas coisas, eu fui diagnosticado TDAH.
Quando passei a ter acesso a essas informações eu comecei a ver que tudo fazia sentido, tudo estava se encaixando perante a minha infância e a minha juventude, tudo que eu passava e que eu ainda estava passando, ficou mais fácil de entender.
Até hoje mesmo eu vou descobrindo algumas coisas que quando eu vejo eu falo assim: “Olha, eu tô preocupado com um ponto aqui e isso tem a ver com o TDAH.”, então a gente tem que ter uma forma diferente de trabalhar. Qual vai ser a forma ideal, se vai ser com medicamento ou com acompanhamento psicológico. Tem toda essa preocupação, mesmo depois de velho, porque eu não tive esse amparo na minha infância.
Rafael: No começo, na sua conversa com o psiquiatra que você percebeu que tinha um diagnóstico, deve ter passado um filme na sua cabeça né? Clareou tanta coisa na sua mente que você deve ter encontrado uma luz.
Bruno: Sim, quando o psiquiatra começou a pontuar os sintomas que podem acontecer com uma criança que tem TDAH, fui me encaixando naquilo em todos os sintomas possíveis e eu conseguia explicar o porquê de as vezes não conseguir concluir uma coisa, de não dar prosseguimento.
Porque para quem não tem, parece que é má vontade, é falta de interesse, é um desânimo, enquanto na verdade é uma coisa interna que até pra gente é complicado de explicar. Fazer com que as pessoas entendam que aquilo é uma coisa física, é um transtorno mental.
Rafael: O João tem algumas atividades que eu falo pra ele fazer. Tipo: “Vai no banheiro e escova os dentes.” por exemplo, às vezes no meio do caminho é tempo suficiente para ele esquecer o que estava indo fazer, aí ele troca de tarefa e lava as mãos por exemplo e quando ele volta e eu pergunto se ele escovou os dentes ele diz que esqueceu.
Bruno: E é engraçado que e tenho uma memória que eu considero até boa. Então, esquecer as coisas até que eu não esquecia tanto, mas a minha mente era muito ativa e muito agitada. A cabeça não para, não desliga. Então você tem dificuldade até pra dormir, o tempo todo você fica pensando em tudo.
Quando você vai ficando mais velho vai até aprendendo a lidar um pouco com isso e a controlar.
O pessoal sempre me falou muito na infância e na juventude, que eu era muito criativo. Isso acontecia porque como a cabeça não para e você consegue pensar em tantas coisas ao mesmo tempo que a criatividade acaba surgindo a força, de tanto que você trabalha mentalmente.
O problema é que como você não consegue focar, não consegue fazer nada muito bem.
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Rafael: Brunão, você disse que só foi diagnosticado depois dos 20 anos, você investigou, viu o que era e com acompanhamento psiquiatra você detectou que tinha esse transtorno e a gente sabe que o uso da medicação evolui bastante, ajuda muito o paciente. No seu caso, como foi isso?
Bruno: Pois é, bom, eu comecei a tomar a Ritalina para medicação eu tinha aproximadamente uns 23 anos. Nessa época eu estava cursando publicidade, então eu saí, parei um pouco. Estava com muita dificuldade de dar continuidade.
A partir do momento que eu comecei a tomar o medicamento as coisas mudaram completamente pra mim. Nesse momento eu comecei a focar mais nas minhas coisas, porque eu fui buscar um curso que para mim era completamente oposto a o que eu tinha dificuldade, que foi Economia, eu sempre tive dificuldade na área de exatas, então eu fiz justamente para desenvolver essa dificuldade.
Com o medicamento eu conseguia assistir a aula tranquilamente. Estava indo super bem na faculdade, desenvolvendo as matérias de matemática, dos cálculos que tinham. Eu sempre tive dificuldade, a minha vida inteira e eu estava conseguindo absorver o conteúdo. Então pra mim foi algo mágico, foi algo que eu não esperava que eu conseguiria fazer.
Rafael: E sem o uso da medicação você acha que conseguiria chegar nesse patamar?
Bruno: Não, eu acho que não.
Rafael: Dificilmente né?
Bruno: Dificilmente, porque inclusive eu fiz o uso do medicamento durante muito tempo e depois eu dei uma parada, dei um tempo. Até em conversa com a minha médica, como percebemos que não estava demandando tanto de mim e eu estava conseguindo fazer as minhas atividades sem o medicamento, decidimos “dar uma segurada”.
A partir do momento que você achar que precisa, que vai estar fazendo mais atividades que requer um foco maior, que você acha que não está conseguindo focar o suficiente, a gente analisa e vê a questão do retorno no medicamento.
Acho até importante pontuar na sua conversa com a Dr. Cláudia sobre o medicamento e de repente viciar, eu acho que cada organismo é um organismo mas por experiência própria, eu não tive problema nenhum em parar, nenhum tipo de efeito, nada.
Rafael: Eu acredito que é muito mito da sociedade essa questão de vício. Porque o pessoal tem muito preconceito com qualquer tipo de medicamento. É muita falta de conhecimento também.
E uma criança que cresce já sendo medicada, sendo acompanhada principalmente, ela vai chegar na fase adolescente e adulta com um amadurecimento neural sobre a doença, muito avançado.
Bruno: Eu acho que só de você saber o diagnóstico, só da criança entender que aquilo não é uma falha dela, que aquilo é um transtorno, é uma questão que pode ser trabalhada, que tem um medicamento que pode dar um auxílio, acaba tirando um fardo.
Me dando como exemplo, eu acho que eu cresci a infância e juventude com esse fardo de não ser capaz, de que os seus coleguinhas conseguem fazer e você não consegue fazer, você não consegue entregar da forma que tem que entregar.
Você não consegue seguir o modelo que é estipulado para as outras crianças, porque na verdade você não é do mesmo modelo das outras crianças, por assim dizer.
Rafael: E é muito importante você falar dessa questão do fardo, porque a criança realmente se sente incapaz. Ela se frustra, percebe que está frustrando os pais e se não tiver um acompanhamento desse transtorno fica muito perdida. Os pais precisam ter o conhecimento desse transtorno para auxiliar a criança.
Bruno: Eu concordo com você, porque como eu tenho o transtorno, o que eu poderia dar de dica acho que é isso. O conhecimento dos pais e o auxílio deles é de extrema importância, acho que como qualquer educação exige.
Nesse caso especialmente, as palavras e a forma como você trata a criança tem que ser muito pensada. Parece que tem um peso maior, todas as falar e coisas que são pontuadas na infância. É complicado.
Rafael: A gente tem que realmente medir as palavras. No caso do João, ele tem uma sensibilidade, que você tem sempre que pisar em ovos. Agora a noite eu estava estudando com ele, pegando as matérias. Ele está um pouco perdido no colégio novo. Muito para casa, muitas coisas para estudar e ontem eu perdi um pouco a paciência com ele.
Ele levou um papel pra escola, simplesmente para lembrar que ele tinha que perguntar uma coisa para a professora e ele perdeu o papel e não perguntou. Uma coisa típica né? Aí eu fiquei impaciente com ele mas hoje eu sentei com ele e disse: “ João, você vai ser um bom aluno, de qualquer maneira, porque eu vou te ajudar e você conseguir a qualquer custo. Ele me abraçou emocionado e falou: “Obrigada pai.”
Confesso que fiquei até arrepiado na hora, segurei o choro. Mas queria que ele percebesse que eu estou com ele. Porque se a criança percebe que está sozinha e que os pais além de não ajudarem a ponto de falar que ele é incapaz, a criança tá ferrada.
Bruno: É, eu tive uma excelente criação, não posso questionar em nenhum momento, mas o fato de não saber da doença, acabava que eles tinham um limite de paciência, digamos assim. No caso de uma criança com TDAH você tem que ter um pouco mais de paciência.
Rafael: Bom, já deu alguns bons minutos de conversa, de bate papo, já deu para esclarecer bastante o que é TDAH, conversamos mais cedo com Dr. Cláudia, agora com o Bruno Augusto, que tem a doença.
E aí Bruno, você quer deixar alguma mensagem, alguma dica para quem tá ouvindo e suspeita que o seu filho pode ter ou que já é adulto e não sabe que tem esse transtorno? O que você teria de conselho final?
Bruno: Se eu posso dar algum conselho, como eu disse, eu acho que é fundamental os pais estarem muito próximos da criança. auxiliarem bastante todas as atividades que ela for fazer. Essa questão da paciência, é importante que uma criança com TDAH receba ainda mais dessa paciência dos pais.
São pequenas coisas que a gente fala e parece ser muito geral mas para a criança aquilo vai fazer muita diferença ao longo da vida. Então esse auxílio eu considero fundamental, além de medicamento se for necessário, de acordo com o acompanhamento do médico. Vale investir sim nessas questões.
Um pensamento que eu tenho para mim é que tudo na vida cresce muito bem se a base é forte. Então eu vejo que a minha base ficou muito fraca, foi até mesmo o que me levou à depressão.
Então uma criança hoje, que tem a condição de ter esse auxílio, esse amparo, ela vai chegar na juventude dela bem mais forte, com condição de trabalhar todas as suas dificuldades e fora que eu acho que para a questão da escola, principalmente. Ter uma base escolar bem forte. Porque a criança vai conseguir focar, vai conseguir aprender, absorver aquilo.
Uma criança que já foi acompanhada desde o início, com certeza ela vai conseguir aprender muita mais e a gente sabe que a educação, o estudo, transformam o mundo né?
Rafael: Brunão, agradeço demais o seu depoimento. É sempre muito bom a gente ouviu uma história parecida com a nossa. Uma história que a gente se identifica, que mostra um pouco que a gente não está sozinho né? Então é sempre muito bom a gente ouvir isso para nos ajudar nas batalhas, nas lutas do dia a dia.
É isso aí pessoal, a gente vai encerrando mais um episódio do Sem Choro Podcast.
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