Assim como a pandemia e suas medidas de proteção, a palmada como forma de educação nas crianças, teve sua ineficácia comprovada pela ciência.
Não somente isso. Os estudos e pesquisas comprovaram que ela não é só prejudicial como também tem efeito contrário.
Essa semana, meu filho mais novo, o Marcelo me deu uma mordida na parte interior do braço que eu precisei sair de casa. Não para não agredi-lo. Sai por sentir tanta raiva. Quando sentimos raiva é melhor sair de perto. Pelo menos no meu caso.
Mesmo após 3 dias, a marca dos dentes dele ainda estão no meu braço e o roxo está dando lugar ao amarelo.
No momento mais intenso da dor, a raiva foi tanta que pulei do sofá e gritei aos berros com ele. Afirmando, mais uma vez, que não pode fazer isso. Sai de perto prestes a quebrar qualquer objeto que aparecesse pelo caminho. Essa mordida, somada ao fato de estar com os dois filhos em casa 24h por dia a sei lá quantos meses… me fizeram querer sumir no mundo. Férias! Preciso de Férias.
Troquei de roupa, Coloquei um tênis e sai de casa.
Algumas horas depois, precisava fazer o almoço e… voltei. Óbvio!
Por que estou contando esse fato? Quando eu era mais imaturo como pai, há 10 anos atrás mais ou menos, eu perdia a paciência com o João (meu filho mais velho) com mais frequência. Nunca dei uma palmada, mas perdia mais a paciência do que hoje. Também gritava mais. O que, na minha visão, também é uma falta de controle e uma violência. Isso diz muito mais sobre a minha imaturidade e preparo (ou falta dele) como pai do que o comportamento dele como filho.
Nesse fato com o Marcelo, em nenhum momento passou pela minha cabeça revidar para ensinar.
Por que eu não bato nos meus filhos
São 2 motivos, superficiais inclusive, que eu não agiria dessa forma.
Em primeiro lugar, seria uma covardia. Eu com 1,80m, 75Kg, exercer minha autoridade por meio da força com uma criança de 20Kg com 3 caracteres de altura recém completos. Ensinar por meio da violência é no fundo, uma covardia e uma tortura.
Em segundo lugar, e principal delas, é que não funciona! Se eu o mordesse de volta ou desse um tapa em qualquer lugar do corpo ele não receberia essa mensagem de forma didática e entenderia a lição. A criança aprende pelo exemplo. Nesse caso ele aprenderia a revidar, a agir com violência.
Façamos um exercício: Se a palmada educa, que tal o nosso chefe nos dar uma belo tapão na frente de toda equipe se o relatório não estiver a altura? Ou a meta de vendas do mês não for batida? Ou, pegando um exemplo mais pesado, você cometeu um erro repetidas vezes e um cliente importante da empresa cancelou a conta! Nesse caso de reincidência, como falar não parece estar adiantando, uma surra de cinto na sala de reuniões?
Deve funcionar não é? Acredito que, assim como eu, você não deve estar concordando com o cenário acima.
Ok, mas se a criança aprende pelo o exemplo e está no momento de descoberta, isso quer dizer então que ela faz o que bem entende e os pais devem ser permissivos?
Óbvio que não. Nem tanto ao mar nem tanto a terra. Nem um nem outro funciona como educação. A criança deve, naturalmente, entender que existem regras da sociedade e outras do lar que precisam ser respeitas. O ponto é que ele não vai entender repentinamente e muito menos gravar essa informação após ser agredido.
Isso funciona ao ensinar animais domésticos. E, mesmo nesses casos, eles são movidos mais pelo medo do que pela “obediência”.
Eu não apanhei na infância. Não tenho a propriedade para dizer o que isso teria causado em mim. Mas não é preciso ter passado por isso para entender qual é a sensação gerada em uma criança que, ao fazer algo “errado”, vai ser violentada.
O João (13) me perguntou se eu tinha memória de qual foi a primeira coisa errada que eu fiz. Me estranhei com a pergunta e respondi que errado era muito subjetivo. De toda forma, não tinha memória disso na infância.
Ele respondeu que provavelmente eu deveria ser bebê no primeiro ato. O que também é uma distorção. Expliquei que os bebês não fazem NADA de errado. Eles estão recebendo trilhões de sinapses neurais e tudo que fazem são aprendizados. E é nessa fase que ele tem o maior número de estímulos neurais e é normal que ele queria experimentar tudo.
João ainda citou o exemplo do Marcelo quando joga as coisas no chão. Expliquei que isso também é aprendizado. Mesmo que ele faça isso repetidas vezes e já tenha se tornado um risco. Afinal, ele já tem forças para jogar objetos pesados e isso começa a ficar perigoso. Isso, repito, não quer dizer que ele não deva ser repreendido e corrigido. Somos nós, com a supervisão, que devemos evitar que ele jogue uma jarra de vidro pela janela.
O aumento da violência domiciliar durante a pandemia
3 razões principais me motivaram a escrever sobre isso: O significativo aumento da violência domiciliar contra crianças e jovens; o caso de um jovem que foi encontrado acorrentado dentro de um barril em São Paulo e, o mais impactante, o assassinato do menino Henry no Rio.
Um estudo publicado pela “Child Development”, um dos mais prestigiados veículos científicos na área de desenvolvimento infantil, afirma categoricamente que a palmada causa impactos sobre o funcionamento cerebral similares aos provocados por agressões físicas mais violentas e abusos sexuais.
Outro pesquisa, publicada pelo Journal Of Family Psychology conclui que a palmada não é só ineficaz, como tem reação contrária ao que os pais querem.
O estudo analisou dados ao longo de 50 anos em dezenas de pesquisas com uma amostra de 160 mil crianças.
A conclusão, em resumo, dessa gigantesca pesquisa é que: os tapas, beliscões e afins, aumentam a probabilidade dessa criança desenvolver comportamentos desafiadores em relação aos pais, comportamentos antissociais e a sofrer com problemas psicológicos. Como eu disse acima, elas aprendem pelo exemplo.
Autoridade não precisa, necessariamente, andar ao lado da violência. A violência por parte dos pais só comprova uma única coisa: o descontrole e/ou despreparo do adulto ao lidar com a situação.
As reações do menino Henry antes de ir para a casa da mãe e de seu companheiro (me recuso a chamá-lo de padrasto) são uma pequena demonstração do que uma palmada causa em uma criança. Ele tinha reações físicas, como vômito, antes de voltar para a casa da mãe. Ele não se tornou obediente. Ele tinha, nesse caso, pânico.
Uma criança agredida tem grandes perdas e dá sinais de que algo está errado que devemos ficar atentos. É assim com qualquer tipo de violência.
Obviamente estou falando de um caso extremo em que, aparentemente, a violência era um ato corriqueiro e não somente de “correção”. Mas essa dualidade não importa para a criança. Ela não consegue fazer essa distinção entre uma palmada corretiva e uma palmada psicopática.
No momento que ela é agredida não importa o motivo. Seja corretivo, educacional ou por psicopatia do agressor. O estrago psicológico é o mesmo.
“Faço isso por que o amo”. É comum agressores utilizarem do amor para justificar seu ato. É um ciclo. Muito provavelmente, em algum momento da sua infância, isso foi ensinado a ele. Que é normal causar dor ao outro mesmo amando.
As crianças tem aprendizados diferentes do nosso. Elas são esponjas e repetem o que os adultos fazem. Isso não quer dizer que 100% do que eles fazem são repetições. Suas outras atitudes, como virar um copo de suco de uva no carpete branco, por exemplo, estão no campo da descoberta. Elas são imaturas e não fazem isso porque são mal criadas. Toda criança é e deve ser uma exploradora. Ela pode fazer isso apenas para ver a mamãe arrancas os cabelos por que é engraçado. Nada além disso.
Já parou pra pensar que a gente deseja uma criança obediente e jovem adulto destemido, independente e audacioso? Como seria possível que nossos filhos cresçam com essas características se a gente repreende todas elas quando ele é criança?
Portanto, a palmada, o grito, a ameaça, ensina sim. Ensina a criança que é assim que se resolve questões na vida adulta. No tapa, no grito, na violência, física ou psicológica.
A falta de afeto e cuidado é um tipo de violência. A criança que necessita de amparo e não recebe acolhimento por parte dos pais está sim, sendo violentada. O afeto também já foi comprovado como um dos principais pilares do desenvolvimento do ser humano nos primeiros 1000 Dias. E a falta dele, naturalmente tem o efeito reverso.
Um exemplo claro disso foi uma das atitudes da participante do Big Brother Brasil, Karol com K. Ela passou a atacar com truculência e grosseria um outro participante. Em determinado momento ela passou a ignorar a existência dele e explicou que era assim que sua mãe fazia: “me ignorava por dias”.
Foi isso que ela aprendeu com a violência emocional que sofre. Ela apenas replicou.
Vamos refletir?
A intenção dessa crônica, dessa reflexão, não é condenar nem julgar quem da palmada. Desde aqueles que fazem de forma consciente aos que fazem em explosões de fúria e stress. Quem sou eu para julgar isso.
Me vigio diariamente para diminuir meus gritos. Principalmente em tempos de pandemia onde o stress e o convívio diário com homeschooling, afazeres domésticos, interrupções e tentativas de trabalho nos deixam mais a flor da pele.
Meu objetivo é de convidar a refletir. É sempre tempo de mudar.
Todo conteúdo que escrevo ou gravo é um convite para eu mesmo mudar. Hoje mesmo vou conversar com o João (que é quem mais tem sofrido com meu stress) sobre minha falta de paciência nos últimos tempos.
Com essas pesquisas e estudos, não há mais argumentos para se agredir uma criança. Cabe a todos nós enquanto sociedade proteger os pequenos.
Com tanto informação científica comprovando o mal da agressão, o cuidador que mantém a palmada como corretivo ou é despreparado enquanto pai/mãe ou é um agressor assumido.
Se você perde o controle e sabe que precisa mudar, que bom!
Sempre há tempo para mudar! Busque ajuda, procure informações e estude a respeito. Aqui na Sem Choro e no Clube Família podemos auxiliar com conteúdos sobre o tema.
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Sou Rafa Andrade, pai do João (2007) e do Marcelo (2017); Fundador da Sem Choro; Empreendedor; Designer Gráfico e Web; Diretor da Agência iMAGON; Produtor de Conteúdo parental.
contato: [email protected]